domingo, 31 de julho de 2016

Apoio à modernização do cultivo de cacau


Produção de cacau em Gandu, na Bahia: segundo produtores, prêmio pela amêndoa certificada chega a cerca de 5%

O calor da lenha para secar as amêndoas de cacau já é história para Almir Rodrigues. Há três anos, o produtor baiano de Ibirataia aposentou sua tradicional secadora a lenha e investiu em uma estrutura ainda pouco conhecida pelos agricultores que se dedicam à lavoura do cacau: a estufa solar. E só essa mudança já foi suficiente para que Rodrigues conseguisse vender suas amêndoas a preços acima do mercado na Bahia.

A aposta foi feita quando a Nestlé deu início no país ao Cocoa Plan, um programa de incentivo a boas práticas na agricultura que começa a ganhar força. Além de oferecer assistência técnica a produtores que são – ou podem vir a ser – fornecedores, a companhia também paga um prêmio em torno de 5%, segundo produtores, pelas amêndoas que não foram contaminadas com fumaça, problema recorrente para quem seca o cacau nas fornalhas a lenha.

Ainda que a iniciativa de assistência técnica esteja separada da área comercial da multinacional suíça, o incentivo financeiro foi uma forma encontrada para evitar que o cacau recebido tenha rastros da contaminação, que prejudica a qualidade do chocolate.

Foi também esse prêmio aos agricultores locais que possibilitou à Nestlé prescindir neste ano de importações para garantir o abastecimento de amêndoas utilizadas na produção de seus chocolates no Brasil. No ano passado, a companhia trouxe de outros países 15% do cacau utilizado em sua produção. Dos cacauicultores brasileiros, comprou 7,5 mil toneladas de amêndoas, volume que deverá aumentar para 10 mil toneladas em 2016, 13 mil em 2017 e 16 mil em 2018.

A autossuficiência no país, alcançada mesmo em meio aos problemas para a produção do Nordeste provocados pela seca – uma das piores crises da cacauicultura nacional desde o ataque da vassoura-de-bruxa, na década de 1990 -, não é apenas um fim para a empresa. É um meio. Afinal, sua proximidade com as áreas de cultivo permite uma análise mais frequente e rigorosa da qualidade das amêndoas que estão sendo entregues.

"Foi um processo gradual. Vimos que a produção dessas regiões poderia dar conta", afirma Guilherme Junqueira, gerente da área de cacau da companhia. Há, obviamente, uma vantagem comercial na compra da amêndoa do Brasil. "O cacau nacional é mais barato, mas de melhor qualidade. Quando o cacau vem de fora, não sei quem foi o produtor ou como foi o cultivo", diz ele, que é engenheiro agrônomo.

Estufas solares e fermentação ajudam os cacauicultores a garantir uma amêndoa de melhor qualidade

A Cooperativa Agrícola Gandu (Coopag), um dos principais fornecedores da Nestlé na Bahia, recebeu, no ano passado, 1,9 tonelada de amêndoas de seus cerca de 600 associados que cultivam cacau. Metade desse volume foi secado em estufas solares, e a expectativa é que essa parcela aumente neste ano, conforme Ana Paula Sousa, que preside a cooperativa. "Hoje são poucos os que misturam [cacau com e sem fumaça]. Quando começou a ter preço diferenciado, melhorou", afirma.

Além da garantia da qualidade do produto, a estufa solar também reduziu o tempo que Almir Rodrigues e sua esposa gastam remexendo as amêndoas para areá-las, trabalho que pode ser feito duas vezes ao dia. "Quando a gente usava o secador de lenha, tinha que mexer de hora em hora", lembra o agricultor, que na época gastou R$ 8,5 mil com a estufa. Atualmente, os produtores pagam de R$ 12 mil a R$ 20 mil pelo equipamento.

O controle da qualidade do cacau pela Nestlé vem sendo azeitado pela relação mais direta entre a companhia e os produtores, com menor dependência de intermediários. Embora tenham uma ampla capilaridade em diversos rincões produtores, esses agentes acabam elevando os custos da cadeia e, não raro, misturam amêndoas de tipos diferentes, o que afeta a qualidade do chocolate.

"Nosso objetivo é eliminar o atravessador e ir direto para a indústria", diz a presidente da Coopag. Segundo Ana Paula, é comum que o intermediário pague abaixo do preço de mercado. A cooperativa já reduziu o volume que vende a intermediários de 80% para 40% do que negocia. A relação próxima com a Nestlé não implica exclusividade, mas a multinacional acaba sendo o destino prioritário das melhores amêndoas dos cooperados, devido ao prêmio oferecido.

Também tem sido importante para a Nestlé intensificar suas compras diretamente dos produtores. Se em 2012 a companhia adquiria 90% de suas amêndoas de comerciantes, agora apenas um terço da oferta vem de intermediários.







Outro processo importante para garantir uma boa qualidade da amêndoa é a fermentação, etapa anterior à secagem. Embora a Nestlé aceite cargas não fermentadas, os técnicos da companhia recomendam que os produtores montem coxos de madeira onde as amêndoas, ainda com a polpa, descansam por cerca de seis dias.

A gestão dessa etapa é feito em uma área experimental da Fazenda Ladeira Grande, uma das nove da M. Libânio Agrícola. Eimar Sampaio, diretor-geral da companhia, segura um termômetro para acompanhar a fermentação e decidir quando remexer as amêndoas e retirá-las dos coxos, que também ficam em estufas. "Essa estrutura ajuda a compensar a amplitude térmica do ambiente".

O controle do pós-colheita na M. Libânio, que também inclui uma seleção mecanizada das amêndoas, foi uma das características que a levou a receber duas certificações, a Rainforest Alliance e a UTZ. As certificações deixam as portas abertas para a M. Libânio fornecer matéria-prima ao mercado de chocolate gourmet na Europa. Atualmente, mais da metade do cacau produzido pela companhia é cacau fino, um tipo de amêndoa exclusiva para a produção de chocolate gourmet.

Além das exigências agronômicas, as certificadoras checam se os produtores estão cumprindo a legislação e as normas trabalhistas e ambientais. "A exigência para a certificação não é nada mais do que cumprir a legislação. Mas a maioria dos produtores ignora por falta de conhecimento", ressalta Sampaio.

Ainda não são todos os fornecedores de cacau da Nestlé que possuem certificação, mas o objetivo da multinacional é disseminar o selo UTZ através do Cocoa Plan. Esse esforço já fez com que, desde fevereiro passado, toda a amêndoa a ser utilizada este ano na produção dos chocolates da marca KitKat fossem certificados com o carimbo UTZ.

Uma das origens desse cacau certificado foi a Fazenda Boa Sentença, em Itabuna, que abriga 217 hectares com cacau cabruca, técnica de cultivo em meio a árvores nativas. Na fazenda, os cacaueiros são entremeados por espécies como o pau-brasil e o jacarandá. A propriedade é uma das 15 da Agrícola Cantagalo, da família de Ângelo Calmon de Sá.

A fazenda, que na temporada 2015/16 colheu aproximadamente 1,6 mil toneladas, conseguiu no fim do ano passado a certificação UTZ para atender às novas regras de produção do chocolate KitKat. A perspectiva é que o apoio técnico da Nestlé comece a dar mais resultados a partir da próxima safra. De acordo com Claudia Sá, gerente da Cantagalo, "é uma relação que não se limita à compra".

Fonte: Valor | Por Camila Souza Ramos | De Ibirataia, Gandu e Itabuna (BA) A jornalista viajou a convite da Nestlé

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