quarta-feira, 16 de julho de 2014

Ribeirinha do Pará produz chocolate 100% cacau e faz sucesso com chefs renomados

 CACAICULTURA NO MUNDO



Produtos são orgânicos e atendem os mais altos padrões de qualidade

Produtos feitos com cacau da ilha do Combu (Foto: João Ramid/Editora Globo)
As margens do rio Guamá, em Belém (PA), escondem um chocolate tão simples e refinado que despertou o desejo de renomados chefs de cozinha. A responsável pelo segredo é Izete dos Santos Costa, mais conhecida como Nena, que mora na Ilha do Combu. Da capital até o local, são três quilômetros via popopó, uma embarcação comum no Estado.

A produtora foi descoberta pelo chef paraense Thiago Castanho, do Recanto do Bosque, e hoje as barrinhas de chocolate embaladas na folha do cacaueiro, cacau em pó, brigadeiros e nibs (granulado de cacau que cobre o brigadeiro) romperam as fronteiras do estado do Pará e abastecem o cardápio do premiado D.O.M., restaurante de Alex Atala, chef paulistano que figura entre os dez melhores do mundo.

Apesar da receita de família ser bem antiga, somente em 2006 ela começou a desenvolver o produto de hoje. Antes da produção, vendia apenas a amêndoa de dentro do fruto do cacau e fazia também biojoias para vender na cidade. A reviravolta aconteceu quando viu em uma feira de orgânicos na praça Batista Campos, em Belém, onde receitas de fundo de quintal eram sucesso de venda. Lembrou-se então que a família de seu esposo fazia para as festas uma barrinha de chocolate com o cacau colhido no quintal da casa.

As vendas foram um sucesso, mas para Nena ainda não estava bom. A amêndoa do cacau era moída no pilão, método trabalhoso e cansativo. Ao pensar em algo que moesse com menos esforço, encontrou no moedor de carne uma alternativa. Para sua surpresa a qualidade também melhorou. O grão ficava mais fino e o processo, mais higiênico. Com a máquina também conseguiu dar liga à massa sem precisar adicionar açúcar, criando uma fórmula de chocolate 100% cacau.
Nena exbe seu "ouro" no quintal de casa (Foto: João Ramid/Editora Globo)
Pensando em aumentar a sua gama de produtos, Nena decidiu resgatar os bombons recheados feitos com frutas da região como o bacuri e o cupuaçu, entre outras, que fazia anos atrás para vender nas feiras que participava. Porém, como sempre utilizou chocolate tradicional, não sabia como incorporar o novo chocolate feito em casa à receita.

Para ajudar, uma amiga pediu ajuda a Thiago Castanho, chef paraense reconhecido no país inteiro por suas invenções na cozinha contemporânea feitas com ingredientes do bioma amazônico. Logo ele apareceu na sua palafita, viu como Nena fazia seu chocolate e levou uma prova para testar nas suas panelas. Ele voltou com um pedido: não mude sua receita. Com isso, ela não aprendeu a mudar os bombons recheados, mas sim a utilizar o método convencional para sustentar a família, juntamente com as vendas do açaí que cultiva no quintal na entressafra do cacau.

Daí sua vida mudou. "O Thiago me colocou na sua mochila e me levou para o mundo", conta, orgulhosa. Logo seu chocolate saiu do anonimato das feiras orgânicas de Belém e ganhou lugar na lista de sobremesas de Alex Atala. Pena que na região ainda não seja assim. "Em Belém ainda são poucas pessoas que conhecem meu chocolate. Às vezes expomos em shoppings de alto padrão na capital e as pessoas se surpreendem com nossos produtos", conta.

Sobre sua produção cacaueira, Nena não sabe estimar quantos pés possui em sua propriedade de 14 hectares. Todos eles estão lá desde que ela "se entende por gente". Pretende nos próximos meses plantar mais pés de cacau de forma sustentável. Eles levam cerca de três a cinco anos para começarem a produzir. "Os técnicos da Emater estão estudando os melhores lugares para plantar entre os pés já existentes. A gente não vai interferir na mata local para poder preservar. É uma agrofloresta, temos que manejar o que existe, sem desmatar". Lena conta que conseguiu financiamento para aumentar a produção, mas ainda não sabe quantas mudas terá.
O brigadeiro tem "granulado" de cacau moído e as barrinhas de chocolate são embaladas na folha do cacaueiro (Foto: João Ramid / Editora Globo)
Atualmente, ela colhe cerca de 100 quilos por safra. É pouco, ela ainda precisa comprar cacau dos vizinhos. "Este ano tivemos uma baixa na produção aqui no meu terreno. Vou precisar comprar mais fora para atender à demanda pelos meus chocolates". O Pará figura hoje como segundo produtor de cacau do Brasil, ficando atrás da Bahia apenas.

Trabalhar com o produto não é fácil. Nena tem a "difícil" tarefa de comer o doce todo dia. "Tenho que experimentar, saber o ponto. Estou engordando, mas aqui ainda há briga para saber quem raspa a panela", diz, entregando a filha que espia a entrevista. Com essa árdua tarefa, uma coisa é certa. "Não temos tempo de esperar ficar triste para comer chocolate. O chocolate nos cura todo dia".

POR TERESA RAQUEL BASTOS, DE BELÉM (PA)

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